sexta-feira, 11 de abril de 2008

Sobre imigrantes

Quando cheguei na Holanda, me surpreendi com a diversidade de culturas que encontrei aqui. Vinda de um país notoriamente multicultural, eu mesma descendente das três raças das quais resultaram esse “amálgama” que é o Brasil (ai, que piegas), foi aqui que a diversidade me surpreendeu. Acho que com a minha eu já tava deveras acostumada né? Até porque tem gente aqui que acha super-estranho eu ser “black” e meu marido ser “white”.

Coisas de quem supostamente não se misturou demais, mas não olha direito pra quem tá passando na calçada em frente à sua casa.

Explico: aqui, além de holandeses (o óbvio ululante), existe uma grande população muçulmana (predominantemente turca e marroquina. Eu costumo dizer “árabes”, mas a bem da verdade não sei se todo muçulmando é árabe), asiática (China, Vietnã, Japão e tudo aquilo que eu não consigo distinguir, além de Índia).

Existe muita gente também do Suriname, colônia holandesa que se tornou independente em 1975. Antes de sua independência ser declarada, a Holanda permitiu que seus cidadãos viessem residir aqui, caso desejassem. Muita gente veio. Tem também muita gente das Antilhas Holandesas, que ainda fazem parte do Reino dos Países Baixos.

Essa superpopulação de imigrantes é tradicional aqui da Holanda. O país se ergueu tomando como base o princípio da cidadania, da igualdade entre os cidadãos, tolerância com diferentes religiões, entre tantas outras coisas que fazem o país ser conhecido como um dos mais permissivos e liberais do mundo. É algo como: cada um cuida de sua vida. Além de drogas leves e da prostituição, aborto, eutanásia e casamento homossexual são liberados.

Tudo isso é muito bonito mas também é também muito prático, já que, desde os primórdios, a Holanda precisou de mão-de-obra externa pra se firmar como potência internacional que foi. Um país que deveria estar embaixo da água sempre precisou de muito trabalho pra vencer essa “guerra” contra a água, como eles chamam. “Cada um vive a sua vida, mas a gente precisa de trabalho coletivo pra manter o país seco”. Essa relativa liberdade relativamente interesseira (uma liberdade controlada, pois os holandeses controlam todos os aspectos da vida pública nas cidades, e isso é claramente expresso em seu urbanismo, mas isso é assunto pra outro post...) foi desde o começo um grande atrativo para imigrantes.

Resultado: o país manteve a tradição de portas abertas e “venham a mim os trabalhadores”. Agora cerca de 10% da sua população é de imigrantes. Está começando a incomodar.

Pra se ter uma idéia, hoje em dia, a população holandesa é de 16,5 milhões de pessoas. Cerca de meio milhão é de muçulmanos. Não é de se estranhar que a maior implicância seja com eles.

A secretária do departamento de história veio dia desses conversar sobre esse assunto com Bruno. Ela disse que não queria que ele achasse que ela é de direita e que a imigração de “brancos” como ele não incomoda (uma morena como eu será que incomoda?), mas que os turcos e os marroquinos causam problemas, como violência e arruaças. Que essas pessoas andam em grupos, que desrespeitam os policiais, causam desordem e muitas vezes atacam judeus. Ela disse que o marido dela foi atacado pelo jardineiro e que amigos judeus dela foram agredidos nas ruas. Disse também que 90% da população carcerária é de marroquinos (em uma revista, vimos que era na verdade de antilhanos, portanto, de cidadãos dos países baixos).

É verdade que em geral você encontra grupos de meninos árabes andando naquele jeito meio hip hop- gangsta wannabe, mas também não posso entrar numa de achar que eles são marginais por causa disso.

O fato é que setores políticos conservadores já começam a defender a idéia de que eles sejam mandados de volta a seus países, pois julgam que eles ameaçam a cultura holandesa. Dizem que o Corão é fascista e têm, eles mesmos, tentado espalhar o medo na população.

Depois do assassinato do cineasta Theo van Gogh em 2005, por um radical islâmico após ele ter lançado um documentário expondo a situação da mulher no Islã (não sei o teor do video), quem mais tem se destacado nesse campo é o deputado de extrema direita Geert Wilders. Ele produziu um video amador chamado Fitna, alegando que o corão estimula a violência e, de maneira infantil e simplista, tenta causar pânico de que a Holanda venha a se tornar um Afeganistão. Para saber mais do vídeo, vale ver o post do blog (A)berração (nepotismo, é o blog do meu marido, mas pelo menos a explicação está em português).

Muitos holandeses acham o vídeo uma vergonha e querem que ele seja banido. As organizações muçulmanas pediram que os fiéis ignorem o coitado e deixem pra lá.

E ninguém sabe onde isso vai parar.

De qualquer forma, é bom lembrar que, diferentemente da Dinamarca (com a confusão das charges de Maomé), aqui na Holanda nem a morte de van Gogh (o medíocre), nem o lançamento do Fitna levaram a protestos violentos ou outros tipos de confusão. O assassinato do cineasta foi encarado como obra de um indivíduo radical isoladamente.


Quanto à minha condição de imigrante, não sinto nenhum preconceito. Como já disse, as pessoas são gentis e solícitas e em geral se derretem todas quando falo que sou do Brasil. A própria secretária que falou em imigração “branca” tem dois posters do Brasil em sua sala. Pra não dizer que não falei dos chatos, houve 2: um cara do banco e um motorista de ônibus que reclamou porque dei muitas moedas. Mais fácil assumir que eles são mal-amados do que dizer que tiveram preconceito comigo.

Claro que ainda posso mudar de opinião ao longo de quase 4 anos. Claro que não convivo com holandeses. Claro também que se fossem 500 mil brasileiros aqui, a situação ia ser bem diferente. Por enquanto vai tudo bem. E olha que eu moro num bairro cheeeeeeio de muçulmanos.


No fim de tudo, a pergunta que não cala em meu coração é: será que Geert Wilders curte um shoarma? Será que ele come escondido? Ou fica só na patat met?

Um comentário:

Anônimo disse...

"Eu costumo dizer “árabes”, mas a bem da verdade não sei se todo muçulmando é árabe"

não, Coisa! o país com a maior população muçulmana é a Indonésia, visse?

e tu? nunca fosse confundida com muçulmana por aí, não?

p.s.: fã do teu coisa, visse, Coisa?

=]